Não parece fácil compartilhar o passado individual com alguém. É algo demasiado importante que nos pertence e cria reservas. Quando solicitada esta entrevista supunha que Douglas P. — fundador e único membro de Death in June — se esquivaria a falar sobre certos temas comprometedores, mas daí a impôr a surpreendente condição de “no questions about the past of the group” vai uma longa distância. Da desilusão inicial até uma efectiva compreensão da sua posição foi um rápido passo. Um certo mistério que sempre envolveu os Death In June permanece. Esta foi a “conversa” possível e desejável.
As últimas prestações ao vivo dos Death In June realizaram-se no fim de 1988. Queres falar-me desses concertos em Tóquio?
Na realidade, pela primeira vez desde Abril de 1985, os Death In June actuaram em Tóquio em Dezembro de 1988. Os Sol Invictus apoiaram-nos nesse dia. Este foi o primeiro de alguns concertos organizados para os Death in June, para os Sol e para os Current 93. Aliás, durante as actuações dos Current 93 eu também toquei.
No princípio estava muito nervoso com a perspectiva de voltar a tocar ao vivo, mas finalmente tudo correu bem e o espetáculo foi bastante intenso. Actualmente, desenvolvo perfomances a solo centradas num set acústico que levo a cabo durante várias noites num pequeno clube.
Voltando aos concertos em Tóquio, David Tibet e Rose McDowall ajudaram-me durante as actuações. Consoante os temas, tínhamos necessidade de mudar de instrumentos. A Rose e eu próprio somos bons na percussão e guitarra e o Tibet é maravilhoso a fazer imenso ruído!
As receitas dos Death In June dão para viver ou tens outra ocupação profissional para além da banda e da música?
Todas as minhas actividades estão relacionadas, não havendo uma separação clara entre os Death In June, a música e tudo o resto que faço. Por exemplo, o meu interesse pela fotografia e pelo design estende-se às capas dos discos que produzo. Talvez seja por estar completamente submergido pelos Death In June. Mas dizer isto é o mesmo que dizer que fui tomado pela vida.
Que projectos para futuro? Encaras a hipótese de voltar a trabalhar num projecto musical a solo depois do fim dos Death In June?
Creio que há a tendência para se esquecer que, desde Maio de 1985, quando Patrick Leagas saiu, os Death In June têm sido um projecto a solo. Eu sou o único membro oficial dos Death In June e assim continuará a ser.Nas últimas semanas estive ocupado com o lançamento de três CD’s do antigo catálogo dos Death In June: “The Guilty Have No Pride”, basicamente o melhor dos anos 1981–1983; “Nada!”, que inclui quatro temas extra desse período; e “The Wall Of Sacrifice” que está à venda só em CD. Infelizmente houve erros na impressão dos booklets de “Nada!” e de “The Wall Of Sacrifice”. Só posteriormente é que soube que alguns foram vendidos através da Rough Trade. Evidentemente que a maior parte foi para Portugal! Os booklets tinham as listas dos temas erradas e os temas de “The Wall Of Sacrifice” foram impressos na ordem incorrecta. Obviamente alguns editores não poderiam ser classificados de 1 a 9! Felizmente, o erro foi corrigido, ainda que tarde demais.
Sente-se a influência de Mishima na tua obra. De que forma tal se processa? Além de Mishima queres referir outras fontes que inspiram os Death In June?
Penso que realmente a influência de Mishima é obvia pois lidamos com temas semelhantes. O mesmo se aplica ao trabalho de Jean Genet. No entanto acho impossível e pretensioso querer analisar o meu trabalho dum modo tão calculista. Seria como dissecar o próprio filho para ver como o tinha feito. No entanto, acho o meu trabalho mais precioso do que a maior parte das pessoas pensa dos seus filhos. Certamente é mais importante.
Existe alguma relação entre “Torture By Roses” e o álbum homónimo de fotos em que Yukio Mishima é retratado em diversos géneros de morte?
O título é obviamente inspirado no livro com o mesmo nome (“Ba Ra Kei”). No entanto, este não é o livro onde Mishima é fotografado em diversos géneros de morte. Esse era “Otoko No Shi” (“Death Of A Men”), que nunca foi oficialmente publicado. Kishin Shinoyama, o fotógrafo, pensou que seria de muito mau gosto publica-lo depois de Mishima se ter suicidado. Em 1980 pensei ver uma cópia desse livro. Quando estive no Japão no ano passado quis contactar a pessoa que tinha o livro mas ela tinha-se mudado para a Austrália. Agora acho que nunca vi esse livro, talvez só na minha mente. É interessante como se pode construir a realidade a partir de um sonho que nunca existiu.
Que mensagem pretendes transmitir com as letras e a imagem dos discos e concertos dos Death In June?
Eu componho para mim próprio. Não tenho absolutamente nada a dizer às massas.
Na tua obra há uma referência a alguém que permanece anónimo em glória. Queres desvendar o segredo?
Há muitas pessoas “anónimas em glória” e “para sempre incompletas”.
(N.R.: à questão suscitada pelo conteúdo da obra da banda, Douglas responde com o mesmo jogo de palavras do tema “Punishment Initiation”: “Anonymous In Glory” e “Forever Incomplete”. Fica a sensação de que uma vez mais as questões mais delicadas são inteligentemente contornadas. Afinal de contas não foi o próprio Mishima que escreveu que “a glória, como vós sabeis, é uma coisa amarga”?)
Como assumes o facto de os Death In June serem relativamente mal conhecidos em Inglaterra e, simultaneamente, objecto de um forte culto no resto da Europa?
Não consigo assumir de modo nenhum esse facto. Talvez os europeus continentais sejam mais inteligentes de que os britânicos. Acho que aqui em Inglaterra temos alguns problemas.
A propósito, como caracterizas a aceitação que existe em Portugal?
Interessa-me o facto de como subitamente alguns países se entusiasmam com o trabalho de alguém. Parece que aceitam a mudança e mantêm um certo nível. Num dado momento a maior parte das cartas e entrevistas vêm de França e Itália, logo depois da Alemanha e de seguida de Portugal e Espanha. Neste momento, a maior parte do correio vem da América e Israel!
O que pensas das seguintes bandas — Sol Invictus, 6 Comm, Current 93, Nurse With Wound — e diz-me como se processa a tua colaboração em projectos como Non?
Com excepção dos 6 Comm, com os quais não tenho qualquer espécie de contacto, sou amigo de todos os outros grupos. Naturalmente isto leva-nos a uma colaboração profissional, pois sabemos o que esperar de cada um de nós e conhecemos as nossas capacidades.
O meu próximo maior projecto será com os NON, com quem toquei no Japão em Junho/Julho de 1989. Como nos entendemos bem, acordamos fazer algumas gravações em Tóquio após as actuações ao vivo. Acabamos cerca de metade do álbum e contamos acabar o restante na América, durante as próximas semanas. Espero lança-lo na NER. Depois disso pensarei seriamente num novo álbum dos Death In June. Se isso acontecer chamar-se-á “But, What Ends When The Symbols Shatter?”.